Toc Toc

Adriana Lisboa, 2016

A porta se abriu, e reconheci a mulher. Reconheci também seu sorriso.

– O senhor estava mesmo perto.

– A senhora teve sorte. Estava fazendo um serviço aqui ao lado.

– Entre. Entre.

Havia inserido o apartamento no grupo “clientes simpáticas e bonitas”. Daquela vez, contudo, teria de pegar leve. Seu marido estava em casa.

– Bom dia. – ele disse, e um sorriso foi seu único gesto de simpatia.

– Bom dia. – sorri de volta.

Conhecia o caminho. Fecharam a porta atrás de mim, e fui para o alvo, meu alvo; minha especialidade.

– Então você quer bancar o durão. – murmurei.

Joguei minha bolsa no chão, tirei para fora duas ou três ferramentas e coloquei minhas luvas, com a delicadeza de um cirurgião.

Meu almoço teria de esperar.

Assim como havia feito na semana anterior, inseri a bomba de ar dentro d’água, bombeei-a cinco ou seis vezes, olhei a reação do gesto no ralo da ducha, tirei o cabelo da testa com o antebraço, repeti a operação mais algumas vezes e pronto. O problema havia escoado.

– Já? – a cliente perguntou quando reapareci.

– Sim. Mas hoje vou me certificar de que não há nada preso no encanamento.

Desci até meu carro, peguei meu Roto Rooter e voltei para a frente de batalha.

– Foi você quem pediu.

Tirei os parafusos da sua armadura, coloquei-a de lado, inspirei com força e encarei de novo o buraco negro de nossas vidas. Nada havia mudado. Cada vez que olhava para dentro via a escuridão, mas cada vez que o que é estivesse lá dentro olhasse para fora não saberia distinguir a traseira de um rei da de um pobre.

No final, uma calcinha. Alguém tinha dado descarga numa calcinha. Com certeza, algum locatário que não tinha estado contente com o proprietário.

Fui embora, novamente, sem nenhum aperto de mão.

“Preciso de férias.”