Silêncio
Adriana Lisboa, 2016
Ele entra ao lado de sua mãe. Todos cochicham. Reconhece poucas pessoas, ninguém nota suas presenças, e eles estacam. Apenas sua prima não os ignora. Está chorando. Vem até eles, abraça sua mãe durante mais de um minuto e o abraça, e sua mãe começa a chorar.
Tinham se visto diversas vezes durante as últimas semanas, mas os tinha abraçado como se tivessem chegado de uma longa viagem.
Dali vai direto para a varanda, observar o movimento dos carros. O asfalto ainda está molhado, e um arco-íris corta o quadro.
Um carro de bombeiros passa.
Ele devia ter uns cinco anos quando ganhou aquele carro de bombeiros de brinquedo. Abriu o embrulho e a caixa, tirou o veículo para fora com as duas mãos e rapidamente aprendeu a utilizar os três botões que ficavam na carroceria de plástico. Um botão para fazer o carro andar, outro para fazê-lo parar e um terceiro para subir e descer a escada Magirus.
Uma mão toca seu ombro. Sua mãe. Ele a segura com força e se senta, e ela permanece de pé.
Sentado, vê um quadro de avisos. Pequenos, grandes, amarelos, brancos e com fotos. De onde está, não pode ler o que está escrito neles, mas olha para cada um como se estivesse olhando para um mapa. Uma trilha que havia sido deixada há tempos sem nenhum ponto de chegada.
Sua prima aparece e troca algumas palavras com sua mãe. Sorriem para ele, e ele sorri de volta, mas logo olha de novo para o quadro.
Em qual daqueles papéis estaria a resposta para suas perguntas? Onde poderia ler as instruções para compreender sua ansiedade? Qual seria o aviso que fora destinado para ele?
As duas mulheres voltam para dentro da sala. Sua mãe o chama para acompanhá-las, mas ele fica onde está.
Em uma das extremidades da varanda, um bebedouro.
Analisa uma decoração de mármore e distingue um buraco.
Um senhor passa por ele e o cumprimenta.
Ele olha de novo para o quadro e trinca os dentes. Ele olha para suas unhas.
Uma hora mais tarde, depois de ter ficado sozinho outras duas vezes, despede-se de sua prima e se prepara para partir. Contudo, como ainda não tinha falado com seu padrinho, encaminha-se, enfim, para o centro da sala.
Seu padrinho sorri, e ele olha, finalmente, para sua madrinha.
Dentro do ônibus, ao lado de sua mãe, seus ombros balançam, e lágrimas caem.
Ele devia ter uns dez anos quando jogou seu carro de bombeiros fora. A escada Magirus estava quebrada. Ela subiu uma última vez, e ele não conseguiu mais fazê-la descer, por causa de algum mau contato.