Saint-Prex
Textos antigos, 2011
Os trinta graus de hoje recordam-me: como alguém pode sobreviver quando a temperatura ultrapassa os quarenta? Sobrevivendo-se. O ser humano tem a incrível capacidade de se adaptar, provam-nos os exemplos.
Podemos encontrar pessoas nos lugares mais tórridos do planeta e nos mais gélidos, nos lugares mais miseráveis e nos… ainda mais miseráveis. Sem nos esquecermos das grandes cidades, já no inconsciente coletivo como a pior das selvas: os hospitais públicos, as prisões lotadas, as sombras dos viadutos, os lares que abrigam inimigos, os escritórios competitivos… Somos uma espécie capaz de surpreender!
E o irônico nisso tudo é que, ao sentirmos sede, o lógico seria, dentro das possibilidades, que tentássemos ir à busca de água, ao sentirmos fome, à busca de alimentos, ao sentirmos os males de uma superpopulação, ao encontro de uma melhor qualidade de vida, mas não é dessa forma que reagimos. Curiosamente, muitas vezes preferimos nos adaptar a uma situação desconfortável a buscar um lugar onde poderíamos ter uma melhor qualidade de vida (claro que existem indivíduos que dirão que são felizes onde estão – uns mais sinceros que outros – ou que dirão que amam o lugar onde vivem – uns mais acomodados do que outros – mas esses seriam objetos de um estudo à parte), transformando, por fim, uma qualidade em defeito.
E, confessemos, de comodistas todos nós temos um pouco.
Não suportamos o trabalho, mas continuamos nele, afinal, a felicidade de terceiros depende do nosso sacrifício; não podemos mais com um barulho, resmungamos, mas nos esquecemos da máxima dos incomodados que se mudem; detestamos as coisas que nos dizem, discutimos, mas, dificilmente, mudamos a nossa própria maneira de ser.
Adoro nadar. Mergulhar o corpo totalmente dentro da água é uma espécie de renascimento para mim, mas há tempos que não ia à busca dessa minha satisfação.
Tenho perto de casa a praia de Vidy, uma espécie de Aterro do Flamengo suíço para onde vão, nos finais de semana, grande parte dos habitantes de Lausanne. Nada diferente do referido quintal carioca. Churrascos com amigos, diversão com a família, farofada. Não julgo ninguém e procuro não dizer que sou eu que sei o que é bom, mas isso já não me agrada. Além da falta de respeito pelas toalhas vizinhas, o que invariavelmente acontece, nadar é impossível, de acordo com estranhas algas que insistem em flutuar pela superfície das praias de Lausanne do lago Léman.
Enfim, hoje, no último domingo do mês de Julho, resolvemos seguir um conselho de um jornal gratuito local e pegamos vinte e cinco minutos de trem para conhecer uma pequena praia em St-Prex. Foi mais caro, dispensamos um esforço maior, mas qual não foi a nossa estupefação quando não só encontramos um tesouro de vieille ville como também um ponto menos frequentado e uma água cristalina, sem termos de mudar de lago.
Algo que foi a primeira coisa que fiz ao chegar: fiquei de sunga e mergulhei. Nadei e batizei-me de novo. Limpei-me de todos os males e pensei: “Começarei de novo!”.
– Obrigado, Senhor. – disse ao voltar à tona, algo que sempre sai naturalmente de minha boca após um mergulho.
Existirão sempre pessoas em todos os tipos de ambientes do mundo, mas a única maneira de ser da qual eu discordo é aquela em que se vive uma aceitação quando a pessoa não está satisfeita.
O que fizemos para achar que devemos continuar infelizes? Quem disse que uma pessoa não pode mover os céus à procura de sua própria alegria?
Mas não estou aqui para tentar convencer ninguém dessas coisas. Muitas vezes, quando um escritor desenvolve este tipo de dissertação, é somente porque ele quer apenas se apoiar, pois, como disse um amigo meu: “ninguém disse que seria fácil”, e uma palavra amiga, nossa própria ou da boca dos outros, sempre nos portará para mais longe.
Mudar não é fácil, vencer a inércia é o mais difícil, mas recordemos o que Clarice Lispector escreveu: nunca faça o mesmo caminho para o seu trabalho, pois você poderá ter belas surpresas; belas surpresas como a praia de Saint-Prex.