Prefácio José Benicio
Outros, 2012
Uma pessoa pode nascer escritor. Contudo, escrever está ao alcance de todos. Todo mundo pode aprender a escrever e se tornar um escritor, o que fará a diferença será a qualidade daquilo que ele escreveu. Poeta não. Ou você nasce poeta ou você não morre poeta. Ninguém aprende a sê-lo. Ninguém consegue ver o mundo como poeta apenas por ter estudado a métrica. E Benício nasceu poeta, um bom poeta.
Conheci José Benício há 14 anos, no berço de nossa poesia, em Lisboa. Ele publicava seu primeiro livro de poesia enquanto eu ainda sonhava com o meu primeiro romance. Tentávamos recolher das mesmas ruas as experiências que enriqueceriam nossas vidas, e foi uma grande experiência a de eu ter tomado um café entre poetas no restaurante Martinho da Arcada, onde Fernando Pessoa costumava escrever. José Luis Abreu Lima, José Benício, e Fernando Pessoa na minha frente. Eu me senti um pouco mais estrangeiro durante aquela tarde – foi uma conversa entre poetas – mas até hoje me gabo por ter possibilitado o momento em que os dois Josés se conheceram.
Mais de dez anos, três países e dois livros publicados depois, fui convidado por Benício para escrever à laia de prefácio do seu novo livro, o seu quarto livro de poesia, o que me fez sentir ainda mais perto de alguém que tem escrito pelos mesmos motivos que eu.
Como sei que não serei capaz de resumir em um prefácio tudo aquilo que senti durante a leitura desse livro, tentarei, no mínimo, particularizar o seu trabalho, uma vez que um poeta é antes de mais nada tudo, menos o mesmo.
Seguindo as marcas de versos que o poeta tem deixado na praia, desde Pedaços Um até hoje, temos sido capazes de contornar infindáveis continentes, e, ainda hoje, Benício continua sendo capaz de nos surpreender; seus litorais têm-se mostrado infinitos. O oceano da sensibilidade nunca se afastou de nós, e não houve uma concha no caminho de José que não se tenha transformado em rima.
Nós, lusitanos ou descendentes, estamos ligados de maneira intrínseca ao mar, e os poetas da língua portuguesa são os nossos navegantes por natureza. Benício tem sido capaz de nos guiar tanto à Índia misteriosa (Não (me) basta, Mulheres tantas…) quanto ao Novo Mundo (Globalizando versos, Sonhos que tive…), tanto através de conhecidas rotas (Carnaval, Chove e é sexta-feira…) quanto por inesperados rumos (Tempos de menino, Aconteceu em Lisboa…), mudando o horizonte de lugar (Carris, Dois irmãos…), comandando com maestria sua tripulação (Estado d’alma, Teu corpo…), sem lançar sequer um verso ao mar (Dedo na ferida, Poemas de ninguém…), diante dos cabos invencíveis da alma (Trovas, Tarde poética…) ou de terríveis monstros (Mulher bomba, Reich…).
Ler esses relatos, essas visões proféticas, esses altares de nossa língua sem a vertigem das grandes estrofes?! O mar é lugar temeroso para alguns, mas é chamado de lar por José Benício.
Infelizmente, houve uma coisa que ele ainda não foi capaz de realizar com esse seu quarto livro: nos mostrar a Terra Prometida. Mas, se pensarmos bem, será que a Terra Prometida existe? Será que não é por isso que sempre ficamos com esse gostinho de ‘quero mais’ ao lermos as suas poesias? Por minha parte, não duvido: a maior aventura se encontra no ato de navegar, o que existe no quebrar de cada página desse livro.
Acho que já nos fiz esperar demais quando o melhor ainda está por vir.
Levantaaaaaar âncora!