Letras cadentes

Textos antigos, 2011

Gostaria de resumir a história do universo, sem pretensões nem novidades, apenas pelo exercício de criar uma linha contínua e curta que nos ajude a imaginar um pouco mais o lugar para onde estamos indo.

Inicio tudo com uma grande explosão, uma onomatopeia das histórias em quadrinhos: BUM. Onde não havia nada, crio um texto, para surgir, do caos, a comunicação.

Perambulando pela página flutuam ideias sem sentido, palavras ao acaso, à espera de se agruparem graças à massa gravitacional de cada uma, graças a alguma afinidade semântica.

ü

Cortando a página, passou um trema voando. Para quem não viu, de novo, só daqui a 262 palavras. Um aglomerado de letras menor lá, outro maior cá e o nascimento das primeiras estrelas – sem luz, não há vida.

Planetas, enciclopédias, cometas, crônicas.

Meteoros, excertos, buraco negro, última gaveta da cômoda.

encanto De tudo ao meu serei Antes, e com tal encante mais zelo, e
sempre, tanto Que em do Dele se face meu e mesmo em cada me vão a momento
meu contentamento E atento do em seu hei de meu
espalhar meu Ao seu E rir derramar maior riso e Quero canto louvor
vivê-lo pranto seu pesar ou assim, mais de imortal, tarde infinito quem pensamento amor procure
sabe a tive): angústia vive amor sabe dizer
posto solidão, morte, fim de quem Quem ama quando Eu possa (que me não seja dure Que
que é chama Mas que Quem seja E enquanto

Acabamos de atravessar um campo de asteroides.

Pare. O universo continua em expansão. Bibliotecas passaram a existir, e um sistema particular foi organizado. Investiguemos, agora, uma de suas menores obras, não muito longe da janela para não congelar, não muito perto da saída para não a roubarem. Chamá-la-emos Terra (falta-me inspiração).

Das amebas tivemos necessidade dos substantivos, dos substantivos vieram os peixes, dos peixes vieram os répteis, depois chegaram as samambaias, os dinossauros, quase o fim do mundo, a era glacial, a mulher, o homem, Machado de Assis e, finalmente, os profetas – profissão esquisita, promotora do fim do mundo, somente é promissora se não formos promissores.

No princípio era o verbo e o verbo eram sem concordância. Criaram as escolas e, com elas, a freqüência escolar. Opa! Um trema! Você viu? Você viu? Nem eles, que estavam mais preocupados com comida, habitação e reprodução do que com outra coisa (não mudamos muito). Honra seja feita àquele nosso antepassado, quem, tentando escrever, desenhou, grafia do hemisfério direito do seu cérebro.

– O que é isso?
– Um gnu! – nascendo também o primeiro diálogo.

E lá fomos nós, publicar.

Primeiro, criamos mais de 200 línguas – trabalho para uma infinidade de tradutores – e, em seguida, o ponto de vista, os direitos de autor, os cortes e as adaptações para o cinema. Aliás, se repararmos, o microcosmo tem refletido invariavelmente o macrocosmo. Queremos uma oração perfeita e que ela seja nossa. Se vier uma vírgula, ótimo, dividiremos a frase com quem precisa. Se vier um ponto final, lamento, é melhor procurar aquilo que você precisa em algum sebo. Nasceram algumas exceções, claro, mas, até hoje, ninguém sabe definir o momento exato onde começam a sobrar os adjetivos e o lapso do tempo onde a ideia deve terminar.

E para o futuro…

A capacidade de nos surpreender está diminuindo. No futuro, não existirá mais ópio do povo que nos faça ficar de boca aberta. Mas, enquanto esse dia não chega, enquanto ainda adoramos um entretenimento, continuaremos o nosso papel de semideuses, virando páginas, prosseguindo na escolha entre viver acreditando no prefácio ou no epílogo, entre achar o quanto é melhor não pensar no fim ou tentar engrandecer a literatura, cujo brilho será, sempre, tão pequeno quanto o brilho da mais grandiosa das estrelas (tudo é relativo), mas, como não iremos a parte alguma mesmo, que ao menos a gente continue esta viagem com a companhia de um bom livro.