Involuntário
Adriana Lisboa, 2016
Olho para o relógio e vejo que são duas horas. Levanto a cabeça e nada de bonde. Olho de novo para o relógio e vejo que ainda são duas horas.
Na rua deserta, apenas uma menina ruiva sentada nos degraus de uma escada e eu. Está com soluço. A ruiva com o queixo apoiado em uma das mãos e o moreno. Não conheço muitos cabelos como aqueles, e os observo como se não os quisesse perder.
– Bom dia. – longe demais para me escutar.
Por um momento nos encaramos – será que me escutou? – e contemplo sua bolsa, uma bolsa velha, de senhora e com alça partida, e ela a aperta com mais força contra seus joelhos e olha para o outro lado.
Outro soluço.
Abro um pouco a gola da camisa e suspiro. Nada de bonde.
De repente, do ângulo da esquina, uma senhora aparece com um basset, russo. Vêm na direção da menina. Caminham com passo firme, quebram a rotina, e, bem na frente dela, como se tivesse sido chamado, como se tivesse chegado ao seu objetivo, o cachorro para e a encara, mostrando a língua para aqueles dois olhos abertos.
A russa e o russo. E eu.
Finalmente, a dona balança seu guarda-sol com violência e faz o basset avançar. E a menina fica lá, imóvel, com a mão esticada como se ainda o pudesse tocar. O cachorro, por seu turno, não olha para trás nem uma vez.
Outro soluço.
Escuto uma sineta e fico de pé. Era o meu bonde.
Abaixo o braço, lentamente.