Inverno suíço

Textos antigos, 2011

Meta um agasalho, o vento corta a face, é inverno na Suíça. Dentro de casa estamos confortáveis, um vidro separa dois mundos, mas, se tivermos de sair, ai daqueles desprovidos de mais tecidos. Não que eu more na parte mais fria das Comunidades Helvéticas, mas, já aqui, o termômetro tem marcado, invariavelmente, 0º.

Muitos imaginam que deve ser emocionante ver neve, sair, fazer bonecos, brincar no parque, mas quem me dera que fosse sempre assim. Acreditem, depois de um tempo, nem mais olhamos com atenção para as diversas montanhas brancas que nos cercam. Os famosos Alpes tornam-se enfim vulgares. O mais importante, porém, o mais marcante de um inverno em um país que neva fica marcado pela chegada da primavera. Muito mais visível do que nos países tropicais, é isso que com mais emoção tenho vivido nesses últimos dias. É belo o primeiro floco de neve que vemos cair, divino, mas nada comparado com a primeira flor que vemos desabrochar.

Ah, esse calorzinho a bater no corpo, o dia crescendo novamente, escurecendo, a cada nova jornada, três ou quatro minutos mais tarde, a oportunidade de poder sentar-se de novo em uma esplanada, com uma cerveja gelada, colocar óculos escuros, uma camiseta ligeira, bermuda. Não somos planta, mas como sentimos o alimento que o sol nos dá.

Estação dos apaixonados, não foi nessa estação que nasceu Romeu e Julieta? O casal enamorado de Verona? Depois ainda existem os pássaros, os pardais inclusive, que dão sinais de vida depois de um silencioso vazio. Voltam a cantar perto de nossa janela e a atrair-nos para que abramos os braços para os dias de temperatura mais amena. O ar, que chega até os nossos pulmões, porta a exuberante possibilidade de renascimento da natureza. As árvores renascem, o mundo renasce, o homem renasce.

O homem – o ser – esse complexo que esconde dentro de si próprio outro universo. Suas razões, seus defeitos, virtudes e verdades. Também não é para ele uma oportunidade de renascer a cada novo ano? Que as estações passadas fiquem para trás, deixemo-las partirem, guardemos delas somente as belas recordações, as alegrias e os aprendizados, abrindo espaço para que amanhã a gente ria mais, perdoe mais, ame mais.

Estou apaixonado por uma mulher, é verdade, mas também apaixonado pela vida e, sobretudo, pela primavera, essa bela dama que nos traz uma oportunidade de recomeçar, mais leves, mais serenos, certos da grandeza de cada um desses pequenos seres humanos que nós somos, pequenos em tamanho, mas infinitos em beleza.

Que cada palavra não dita ou mal recebida se transforme em uma bela flor desse nosso jardim. O futuro será sempre diferente, mas que ele sempre melhor.