Heidi, por Edgar Allan Poe

Textos antigos, 2011

Penso que quase toda minha geração chorou ao ver Heidi em desenho animado. Não fui exceção. E, agora, talvez pela memória emotiva que essa garotinha me traz, talvez pelo interesse cultural que tenho vivido, resolvi ler o clássico romance em sua língua original, com a desculpa de que isso seria em prol de meu francês.

Escrito em 1880, pela suíça Johanna Spyri – nome, até então, desconhecido para mim – conta a história de uma pequena órfã que é levada para viver com o “tio dos Alpes”, em uma casa perto da aldeia de Maienfeld, na Suíça alemã.

Os personagens do romance estão divididos em duas facções: os puros de coração e o resto, sendo que, ao contrário da vida real, é na primeira facção que encontramos o maior número de integrantes.

Portados pela romancista, deliciamo-nos com as aventuras e a pureza de uma menina de oito anos – missão que a autora desempenhou com enorme sucesso – para, com o decorrer das páginas, descobrirmos que lá se foram os anos em que éramos capazes de chorar por tal simplicidade.

Hoje, minha mesma geração, muito mais próxima de ser colocada na segunda facção do que na primeira, com alguma dificuldade consegue sentir as mesmas emoções que sentiu quando ainda era jovem, graças aos acontecimentos menos felizes que acabaram por macular a nossa sensibilidade e maneira de ver a vida.

Quem não gostaria de voltar a deixar a porta de casa aberta? Ajudar a velha vizinha para poder escutar suas histórias? Sonhar que seremos para sempre felizes e que ninguém querido irá, um dia, morrer? Crer que é possível emprestarmos o nosso bem mais valioso sem a possibilidade de perdê-lo? Pensar que não há fome no mundo e que tudo ficará bem se nós estivermos bem?

Para nós, restou apenas uma nova Heidi, perdida dentro de um conto qualquer de Edgar Allan Poe, cujas cabras se transformaram em gatos pretos e o velho tio em um abusador de menores.

Apenas um último desejo, então, sobreviverá: proteger as crianças. Deixá-las aproveitarem os momentos belos da vida e serem quem realmente são: crianças. É uma missão impossível, já que jamais venceremos a televisão, os jornais, as revistas e os jogos eletrônicos, mas que elas, pelo menos, não cresçam rápido demais, para que possam chorar e rir, pelo maior tempo possível, ao lerem as aventuras e desventuras da pequena Heidi, a órfã dos Alpes.