Chuvas de prata
Jornal Destaque, 2015
Não. Não é fácil. Não é fácil ter de sair de casa, recomeçar de novo e perder tudo. Nunca foi. Tudo bem que podemos contar com nossa fé, com os amigos, com a família e que às vezes podemos contar até mesmo com os políticos, mas não é fácil. Não é fácil entender o porquê e perder anos de trabalho e de amor em apenas alguns minutos.
Você sabia que um monge budista, depois de passar inúmeros dias a fazer uma colorida mandala de areia, destrói o seu trabalho em dois segundos? Apenas para recomeçar de novo? A temporaneidade das coisas.
Este não é um texto religioso. Este é um texto sobre coragem, venha ela de onde vier.
Mais de quarenta famílias desabrigadas, mas o que fazer? Choramos, nossas lágrimas se evaporam, viram chuva, transbordam os rios, inundam as casas, nos fazem chorar e voltam para as nuvens. Não é fácil recomeçar. Contudo, recomeçar é uma das mais fantásticas capacidades do ser humano. O poder de recomeçar tudo.
Verdade que temos de reiniciar do zero, que estávamos prestes a realizar o nosso maior sonho ou que tínhamos, enfim, alcançado uma tranquilidade na vida, mas o que fazer? O que fazer diante daquilo que nos aconteceu? Sentar no chão, cruzar os braços e dizer que Deus não é justo? Esperar a morte chegar? Ou segurar a nossa existência com as duas mãos e mostrar que a nossa alma é de ouro e que somos ainda capazes de surpreender nós mesmos e o mundo? Respeito quem escolha a primeira opção – somos almas livres –, mas tenho absoluta certeza de que todos nós somos capazes de escolher a via da coragem, simplesmente porque essa é a nossa natureza.
A idade não ajuda? O dinheiro não ajuda? O trabalho não ajuda? A saúde não ajuda? Ainda menos fácil então, mas o que fazer? Desistir? Socar a parede? Ou lutar apenas com o olho que temos e seguir em frente? Coragem! Coragem! Daqui a dez anos essa chuva será apenas uma lembrança (uma marca no muro de uma casa), e aquilo que você resolva fazer hoje estará para sempre ao seu lado, no olhar das próximas gerações de pratenses.
Caros políticos, para vocês apenas três – gigantescas – responsabilidades: minimizar os danos morais e materiais dessas famílias e tirarem disso tudo uma lição. Procurem os motivos de tal desgraça, usem o poder que lhes foi concedido – temporariamente – para ajudar essas pessoas e façam alguma coisa para que tais tragédias não aconteçam novamente. Certo que não podemos desviar o curso de um rio, que o poder que foi concedido a cada um de vocês tem sido limitado, mas certo também que a inteligência e o amor de cada um de nós não têm limites. Um político também pode gravar o seu nome em nossos corações, e isso apenas depende dele.