Carta bomba

Textos antigos, 2011

Equiparo meu trabalho com o de desmantelar bombas. Devo aprender tudo sobre nitroglicerina e explosivos plásticos. Tenho de saber qual fio não cortar e não explodo um engenho desde os tempos da Academia, quando tive de fazer uma grande faxina no laboratório.

Ao escrever sobre a alegria, procuro dar direção à prosa, sem me entusiasmar. Não devo pensar pelo leitor, e exagerar nos adjetivos ou nos advérbios pode ser perigoso.

Ao escrever sobre a tristeza, são meus deveres transportar as palavras com atenção e motivo e procurar um desfecho saudável. Tenho outras histórias na cabeça onde tudo explode, mas ainda não chegou o momento de escrevê-las, ou talvez nunca o faça.

Perdi amigos mais incautos e tenho fotos de certos exemplos penduradas na parede. Sei que não é um trabalho sensato. Contudo, pode ser uma profissão digna.

Recordo-me de que tive a minha primeira experiência significativa ainda jovem. Fechei uma redação da escola, que ironia, com uma bomba atômica caindo em cima de mim e, como se tratava de um sonho, com o meu despertar. Recebi um elogio e gostei.

Minha segunda experiência aconteceu algum tempo depois. Outra professora pediu para que nós escrevessemos uma redação sobre o que pensavávamos sobre a instituição onde estudávamos. Ela jurou que seria a única pessoa a ler as redações, e eu acreditei. Descobri dois meses mais tarde que eu estava sendo expulso da escola por ter exagerado nos adjetivos.

Minha terceira experiência aconteceu anos mais tarde. Escrevi uma poesia para meu pai, e ele saiu correndo para mostrá-la aos seus colegas. Na poesia, eu dizia que o amava e pedia-lhe para que parasse de querer morrer. Não adiantou muito, e ele morreu, e eu continuei amando-o. É uma das raras exceções na qual espero não ter economizado nos adjetivos.

Enfim, cada frase que escrevemos deve ser manipulada com o devido respeito, pois todas as palavras têm o poder de marcar de forma definitiva o passado.

Escrevi bilhetes de amor para mulheres que amei mais do que a própria vida, e quase todos esses amores não sobreviveram. Alguns bilhetes sobreviveram mais do que as relações que os originaram.

Tenho relações sobre as quais ainda não escrevi o suficiente e espero ter uma longa vida para poder fazê-lo.

Escrevi cartas para pessoas queridas quando a distância se fez presente, e cada uma dessas cartas ajudou-me a acreditar na alegria do reencontro.

Escrevi bilhetes cheios de mentiras e bobagens e espero que não os tenham guardado.

Escrevi preces na forma de poesia e fui atendido ou confortado.

E, assim, continuarei executando meu trabalho, entre horas alegres e desgraçadas, esperando, quando estas linhas pararem, o momento de cortar o fio do meu epitáfio. Não. Não lhes direi qual é, pois isso seria como contar o final da história. Se eu o conheço? Claro que sim! Eu sou um escritor e já tenho alguma experiência na área. Eu o vi no dia em que eu tive a certeza do título que eu daria ao romance de minha vida.