Caracol gosmento
Textos antigos, 2011
Mês passado, durante um jantar de sushi sashimi, feito por mim, resolvi que minha próxima crônica seria sobre comida.
Hum… Comida… Quem é capaz de viver sem ela… (?)
Porém, mais do que falar sobre meus gostos, ou minha falta de gosto, ou transcrever alguma receita maluca que eu gostaria de compartilhar, parti do princípio que interessante mesmo seria transcrever um pouco da viagem gastronômica que tenho feito desde 1998, ano em que vim para Portugal.
Comer, no Rio de Janeiro, era, até então, para mim, uma questão resolvida. Lá, bom mesmo era comer o que eu já conhecia: farofa, mandioca, catupiry (da maneira que viesse), pão de queijo, acarajé, esfiha, uma paella no antigo Rio Galícia, bife e batata frita, mas, depois, ulálá, Deus é testemunha do que tenho encontrado nessa vida.
A primeira coisa sinistra que vi, no exterior, foi um perceve na Cervejaria da Trindade, em Lisboa. Mais parecido com uma unha negra alienígena do que com um petisco, coisa que é, deve ser ingerido da seguinte forma: devemos quebrar sua ponta e chupá-lo. Comi apenas um e achei que não valia o esforço. Após isso, vieram o choco grelhado (um tipo de polvo branco do qual gosto muito), o cavalo (que estranhei apenas no começo), a miga (mais saborosa do que minha preocupação com meu colesterol), o camarão gelado (que repousa dentro de um prato de gelo antes de ser servido), a paella original (bastante diversa daquela que eu conhecia), o chucrute, o cornet de châlet, a raclette, a fondue chinoise e, finalmente, o caracol (miniatura do scargot, é cozido dentro de uma água temperada, assim como o perceve).
Comecei brincando. Estava em uma mesa com sete ou oito portugueses e, como eu era o único que não estava metendo a mão no pratinho de moluscos, arrisquei. E nunca mais parei.
Há três maneiras de comer esse pequeno, gosmento e rastejante ser:
– Chupar e o que vier veio, jogar a “casinha” em outro prato e pegar outro, cuja qualidade você já deve estar namorando enquanto come o primeiro;
– Fazer um pequeno buraco na “casinha” com o dente e chupar o caracol, que normalmente vem, mas é uma técnica de que não gosto. Sempre vem o pedacinho quebrado da casca para dentro de sua boca;
– Pegar um palito de dente, ignorar a sensação de que os dois olhinhos estão nos observando, retirar o caracol como um cirurgião, comê-lo, e depois sugar da “casinha” o caldo que restou.
Gostei tanto que, hoje, prefiro mais a caracoleta a o caracol. Além de maiores, têm uma textura mais consistente, são grelhados no sal grosso e podem ser ingeridos (minha preferência) com molho de mostarda. Perguntem-me, e eu sou capaz de indicar um excelente restaurante na Graça, também em Lisboa.
Nojento? Sem ao menos o ter provado?
Não… Penso que é apenas uma questão de cultura. Bastava você ter nascido em Alfama ou ter sido criado a escutar Amália Rodrigues que você hoje estaria aí, lambendo os dedos.