Aventura siciliana
Textos antigos, 2011
Olhando para trás, reparo que muitos dos momentos da minha vida que mais gerariam histórias interessantes para contar seriam aqueles nos quais me deixei levar pela força de uma paixão. Um tipo de “espírito que baixa em mim” que vira e volta me aparece e me diz: “Vam’bora! Vam’bora que depois tudo se ajeita!”. E, realmente, se ajeita, mas somente depois de descobrir, normalmente no meio da aventura, que a coisa, afinal, não seria assim tão simples de fazer. Foi assim quando eu fui voluntário para servir o Exército, com a minha ida para Portugal, quando eu fiz o Caminho de Santiago, com algumas relações amorosas que tive e, o motivo de estar hoje aqui, durante a minha aventura siciliana, no papel de Peter Fonda.
A futura senhora Carretoni e eu estávamos vivendo em um apartamento alugado em Cefalú, no nordeste da Sicília, quando surgiu o irresistível projeto de alugar uma moto e cruzar a ilha siciliana em apenas um dia, o que nos daria a oportunidade perfeita para tirar uma foto do vulcão Etna.
Entrar na loja foi fácil. Pagar o aluguel foi fácil. Tinha acabado de tirar a minha carteira de moto no Brasil, por isso, acertar os documentos também foi fácil. Haviam alugado a última moto, então escolher a mais possante scooter disponível foi fácil. Pecado ninguém nos ter filmado quando a gente deixou a loja. Eu posso jurar que a música “Born to be Wild” estava sendo tocada em todas as rádios italianas.
Dei uma volta no quarteirão para sentir o balanço de uma scooter, mas tranquilo. Nada demais, pensei. E assim partimos em direção à autoestrada, às dez da manhã, seguindo as indicações que nos levariam até a cidade de Siracusa, nosso objetivo mais distante.
O nosso plano era o seguinte: chegaríamos a Siracusa antes da uma, passaríamos duas horas conhecendo a cidade e, depois, voltaríamos pra Cefalú.
Alguém sabe como é o meio da Sicília? Não tem problema, eu conto; algo que descobri apenas no decorrer daquele dia. Não tem nada! A estrada cruza planícies e mais planícies descampadas e tudo o que você vê em volta é nada! Tirando uns carros queimados, o que nos fez conjecturar sobre a ação da Cosa Nostra por aquelas redondezas.
Ainda sobre o descampado: todo o balanço da scooter deixou de parecer com o balanço de uma moto, deixou até mesmo de parecer com o próprio balanço de uma scooter. É que aquele tipo de natureza fazia com que todo o vento chegasse até nós com uma força que não apenas me obrigava a andar a menos de oitenta quilômetros por hora como também começava a nos fazer questionar se aquilo havia sido realmente uma boa ideia. Sem me esquecer de que, curiosamente, não vimos nenhuma outra duas rodas durante todo o nosso percurso. Minto! Vimos uma moto! A qual, provavelmente, também estava sendo pilotada por outro estrangeiro. Em compensação, caminhão… Putz! Tirando a Avenida Brasil, eu acho que eu nunca tinha visto tantos. Vis criaturas que nos faziam sambar a cada vez que passavam por nós.
Cem quilômetros ficaram para trás; faltavam quatrocentos.
Finalmente, chegamos aos pés do vulcão Etna e fizemos as desejadas fotos. No entanto, uma coisa já não andava muito bem: o tempo gasto com a cruzada. Tínhamos demorado mais do que o planejado para chegar até ali, o que nos obrigou a tomar uma importante decisão: ou levaríamos aquela aventura até o fim, ou voltaríamos enquanto não estávamos tão longe assim.
Claro que resolvemos continuar.
Mão no acelerador – estranho isso – e lá conseguimos chegar até aonde queríamos. Estacionamos, olhamos para o relógio, três horas da tarde, e vimos que havíamos demorado mais de quatro horas para percorrer duzentos e cinquenta quilômetros. Que tristeza! Isso significava que, para que não pegássemos a estrada de noite, nós deveríamos sair dali exatamente às… Naquele exato momento! Se não quiséssemos viver a mesma aventura em um breo quase total, não poderíamos demorar nem cinco minutos e partir, o que fizemos, após comermos em um fast-food.
Ironia. Fizemos todos aqueles quilômetros somente para comer em um fast-food. Teríamos gasto vinte minutos e nem metade da grana se tivéssemos comido o mesmo sanduíche em Cefalú. Mas calma lá. Essa foi uma conclusão a que chegamos apenas no dia seguinte. Ainda tínhamos de pegar a estrada de volta e, para uma pessoa que nunca havia dirigido uma moto por mais de uma hora seguida, no que eu mais estava pensando naquele momento era em como a minha bunda começava a doer.
Detesto ser eu a dar as más notícias, mas alguém tem de fazê-lo. Era outono e descobri também que, depois das duas horas da tarde, no meio da Sicília, aquele mesmo vento forte lateral virava um vento forte lateral gelado, e eu, vestido apenas com um casaco de moletom e uma camiseta, comecei a tremer de frio (aprendi a não exagerar nos adjetivos, mas, compreendam, fazia MUITO frio).
Quando paramos para reabastecer, esticar as pernas, que estavam mais duras do que um coco verde, e colocar as minhas luvas, descobri que meus óculos caros e espelhados, que tinham estado até então pendurados em minha camiseta, haviam ficado em algum lugar daquela estrada.
– Vejam! Uns óculos quebrados no meio da estrada! Com certeza a máfia despachou alguém aqui!
Quando, enfim, chegamos ao pedágio de Cefalú, com hipotermia, dor nas pernas, dor na bunda e sem os meus óculos, a noite tinha acabado de cair. Que alívio!
Quinhentos quilômetros no total, para surpresa do gerente da loja. Ele foi até conferir o velocímetro a fim de verificar se tínhamos sido sinceros.
Bem, agora, se me perguntarem se eu aprendi a lição, se eu assimilei o hábito de desconfiar quando o santo é grande, se eu já pego mais leve quando tenho de escolher, eu vou ser obrigado a responder um discreto e consciente: “não”. Eu teria feito tudo de novo, igualzinho, pois eu sou simplesmente assim: à procura, apaixonado e com dificuldades, mas feliz.