Apesar do PAN
Textos antigos, 2011
Acabei de voltar do Brasil e voltei de novo incomodado. Os jogos Pan-Americanos tem vencido a cultura por três a zero. Digo de novo porque há sempre uma coisa me incomodando no Brasil, mas, se falo mal, é porque amo o Brasil. Com certeza a minha indiferença seria pior, mesmo que eu comece a duvidar de que eu continue mesmo sendo brasileiro. E isso não tem nada a ver com eu ter conseguido minha nacionalidade portuguesa e estar com todos os direitos para pedir a nacionalidade italiana e a nacionalidade suíça, mas pelo simples fato de sentir que hoje no Brasil eu faço parte de uma minoria.
Afinal, quais são os valores que definem uma nação? As fronteiras que limitam o lugar onde você nasceu? A nacionalidade de seus pais? Ou a afinidade que existe entre as pessoas? Detesto carnaval, não gosto de pagode, acho desesperante estar no meio de pessoas falando alto e ao mesmo tempo e há tempos que não posso mais com a filosofia das cervejinhas de sextas-feiras. Também desprezo o esporte, assim como as novelas, como ópio do povo. Não o ato de praticá-lo, mas o instinto de grupo que enche estádios, vestindo a camisa de um clube e ao ponto de chorar. E que ignorância, vaiar até o Presidente. Eu amo é Puccini, amo um bom livro, inclusive amo Luis Fernando Veríssimo, amo um bom vinho e hoje só gosto de reuniões que não ultrapassem o número de seis pessoas.
Mas, enfim, seja por eu ainda ter aquele passaporte verdinho, seja pelo meu direito democrático de dar a minha opinião, principalmente dentro do meu site, eu vou mesmo reclamar.
A cultura no Brasil estava em greve (ainda está), e isto não recebeu a mínima atenção do povo e, conseqüentemente, da mídia. Não pude registrar os meus últimos dois livros; não pude levar a minha esposa para conhecer o Museu de Belas Artes; não pude caminhar pelos jardins do Museu da República. Ainda, quando estávamos passeando pela orla, procurei sedento pela estátua de Carlos Drummond de Andrade, já que seria a primeira vez que eu a veria, contudo, desprezado, atrás de um palanque enorme do pan-americano, lá estava ele, inalcançável, como o próprio poeta estaria hoje em dia em relação a nós todos, simples humanos. E, por pouco, por pouco mesmo, passo por ela sem mesmo dar-me conta.
Não poderiam ter dado um espaço mais respeitável para ele, para a sua poesia, ao invés de tentarem calá-lo? Para não dizer do lugar que ele deveria merecer na tribuna de honra. Ou pensaram que não existiria nenhuma pessoa que poderia estar naquele momento no Rio por outro motivo que não o esporte, doido para que toda esta festa chegasse ao fim e que libertassem Drummond, e que voltassem a dar atenção à miséria e criminalidade que assolam o estado? Repito: o esporte não é mal, exceto quanto é usado para dopar o povo.
Compreendo muito bem a decisão dos sindicatos pela greve, pois não existia melhor altura para terem-na feito do que durante o pan. Conhecendo os governos que sempre tiveram, somente sobre os olhos de outros países que as suas reinvindicações poderiam ter alguma chance a mais, por menor que esta chance continuaria sendo.
E, agora, vamos para as janelas, irmãos, acenar com um lencinho branco para as Forças Nacionais que partem. Adeus! Adeus!
E assim eu também parti.
Beijos, despedidas, e entramos no portão de embarque. Primeira má notícia, o vôo da TAM seria só às 18 horas, ou seja, com duas horas de atraso. Na lateral do avião a frase: orgulho de ser brasileira.
Escondam-me.
Finalmente chegamos a São Paulo.
Aí o problema foi que, em São Paulo, já teríamos perdido o nosso vôo para Paris, por causa da hora.
Pedimos uma informação para o primeiro funcionário da TAM, e ele disse que o vôo já tinha seguido.
O segundo funcionário disse que o mesmo ainda não tinha saído.
O terceiro disse que já tinha.
Com o quarto funcionário, isto tudo correndo dentro de um aeroporto apinhado de gente, com pessoas dormindo no chão, filas e mais filas, pois saímos de dentro do avião e caímos dentro da multidão que ainda não tinha feito check-in, ficamos sabendo que o avião ainda estava lá.
Entramos no avião e duas horas depois (comecei a me perguntar como seria em Paris, já que com certeza o vôo de lá para Genebra perderíamos) o comandante avisou – só em português, até alguns estrangeiros reclamarem que queriam saber o que estava acontecendo – que estavam tendo um problema no computador responsável pelo reabastecimento e que iríamos demorar mais uns vinte minutos.
Uma hora depois, o mesmo comandante avisou que aquele avião afinal não iria poder voar por causa daquele problema e que iríamos trocar de avião, mas primeiro seríamos encaminhados para uma sala de espera.
Saímos do avião, mas outro funcionário da TAM, que nos esperava, disse que era para correr para outro portão de embarque que os passageiros seriam metidos dentro de outro vôo para Paris, que não seria o nosso das 19h10min, mas o vôo das 23 horas. Grande fila até que percebemos que já era um vôo programado e com isto já teria os seus próprios passageiros.
Reparei que uma mulher que estava conosco saiu da fila e foi num balcão de informações já cheio de gente, voltou com um bilhete e passou na frente de todo mundo e entrou na moita. Compreendi que só os primeiros conseguiriam ser recolocados.
Tive sorte. Sai da fila, fui até o balcão e entrei numa brecha. Fui atendido logo. Arranjei um bilhete para nós dois, voltei na fila, avisei a um cara do Goiás que era melhor ele adiantar o seu lado e ir neste balcão, ou a sua viagem de Goiás ainda ia demorar muito mais do que as primeiras 10 horas, e entramos no avião. Teria sido melhor se aquele jovem tivesse alugado um taxi até São Paulo, com o dinheiro que se gasta numa passagem aérea.
Enfim, entramos no avião.
Duas horas depois, o comandante se desculpou, pois a demora é que estavam transferindo as malas do outro avião e aceitando novos passageiros, dentro de um avião, esqueci-me de dizer, já lotado quando a gente entrou; o que significava que muitos ficariam em São Paulo, dormindo no aeroporto até o dia seguinte.
Finalmente o avião levantou vôo e tivemos o jantar, doze horas depois do filé que comemos no portão de embarque do Brasil. Dormi como uma pedra, o que pelo menos o cansaço foi bom.
Chegamos a Paris e corremos para uma nova fila de pessoas que estavam ali como nós e que fariam transferências para diversos lugares da Europa. Os de Zurique dormiram em Paris, os de Munique também, mas os de Genebra ainda poderiam pegar o vôo das oito, uma hora depois.
Se soubesse do problema que teria com as malas, teria ficado no fim da fila e dormido em Paris de graça.
Encaminharam-nos para este vôo das oito, mas nos mandaram antes ir até o balcão da Air France falar que tínhamos duas malas. Fomos e pedimos três vezes a certeza de que nossas malas estariam sendo transferidas para este vôo. “Com certeza!”, mas para confirmar ainda mais, ela falou para corrermos para o avião, sermos os últimos a entrar nele, e pedir para confirmarem no computador se a gente viajaria com as nossas bagagens. O cara meteu lá o número e disse que as duas malas já estavam embarcadas. Estranho, mas como ele disse que sim, entramos, sem eu deixar, entretanto, de olhar para o seu crachá e decorar o seu nome.
Chegamos a Genebra, 24 horas depois, e fomos esperar as malas.
Lógico! Lógico! Nada de mala! Nenhuma das duas!
Fomos às reclamações de bagagens e a moça, que ouviu muito o meu francês imperfeito e irritado, disse que uma mala estava ainda em Paris e a outra no Brasil. Até menos mal do que um senhor que tinha três malas e que tinha aparecido na televisão brasileira por ter seqüestrado um agente da TAM. Uma das suas malas tinha chegado a Genebra, provando que não tinha sido impossível a transferência das malas, a segunda foi localizada em Paris, através do computador, e a terceira, bem, a terceira simplesmente eles não poderiam dizer onde se encontrava.
A moça pegou os nossos dados para entregar as malas em casa, e entregaram, dois dias depois, mas mesmo assim pegamos todos os dados e informações para uma reclamação aos responsáveis, TAM e Air France, pois, às vezes, fico cansado desta mania de esquecer o sucedido depois de resolvidas as coisas.
Uf…
É, eu sei, existiu o lado positivo. Valeu muito estar no Brasil, rever as pessoas que amo, comer as minhas comidas preferidas, e rever as belas paisagens cariocas, mas, desculpem-me, falar bem, todos podem, mas falar mal, ficar incomodado, querendo desesperadamente que dêem um jeito nas coisas, que não aceitem mais uma justiça divina ao lugar de tentarmos criar o céu agora, aqui, na Terra, faz parte de outra também pequena minoria, e, com licença, mas eu quero fazer parte dela.