A água da vida

Textos antigos, 2011

Falou mais alto o seu instinto de sobrevivência. É assim quando nos sentimos ameaçados. Mais do que isso, ele fora acossado e, defendendo-se, matou-a.

Perguntaram-lhe depois:

– Você se lembra daquele dia?
– Não – e expirou.

Contudo, eu, eu nunca me esqueci daquele dia.

***

Estávamos ajudando nossa mãe com suas tarefas diárias. Cedo começaram as fainas. Um céu límpido e uma temperatura amena afastavam-nos do outono e escondiam a tragédia iminente. Ríamos e todos nós realizávamos nossas tarefas com amor. Jogávamos conversa fora, circulávamos e, sem atrasar o andamento dos trabalhos, sentíamos a segurança de nosso lar.

Mas eis que um grande ruído nos desconcertou.

– Estão tentando derrubar nossa casa! – um de meus irmãos gritou.

O horror instalou-se entre nós. Voamos sem rumo e imaginamos o pior. Ouvi um grito, dois, três, um choro, “Vamos lá fora!”, gritei, mas nossa mãe, que até então tinha permanecido em um estado de alerta, disse que seria ela a resolver o problema.

Tivemos dúvida. Ficamos preocupados com ela, mas ninguém ousou impedi-la. Nosso respeito por suas decisões era ainda maior do que nosso medo.

Do lado de fora, ela deparou-se com uma situação infernal: um homem muito forte, um brutamontes, estava prestes a destruir-nos com um machado. Nossa mãe não teve dúvidas. Diante do que aquele gesto significava, voou na direção daquele sujeito com um grito desesperado, um grito que só é capaz de dar alguém que pretende proteger sua prole, mas o nosso agressor, percebendo então que seria picado, usou o terrível machado para derrubar a nossa mãe, o que fez, com um golpe certeiro.

Mais uma abelha rainha que morreu.

Não vou dizer o que aconteceu com a árvore, nem falar sobre a dispersão que sofremos depois daquele dia, mas posso dizer o que eu fiz e para onde eu fui depois dali: liguei-me para sempre àquele agressor. Segui cada passo de sua existência até à sua morte, pois, sentindo saudades de minha rainha, aquele homem passou a ser a minha vida, primeiro por causa de um sentimento de vingança, depois de compreensão.

Descobri mais tarde que, naquele dia, ele tinha chegado a nós apenas à busca de lenha para aquecer sua família, desconhecendo a existência de nossa colmeia.