14° Arrondissement

Tertúlia, 2011

As Catacumbas de Paris

“Há algo de podre no reino da Dinamarca.” (Hamlet – William Shakespeare)

Não estou na Dinamarca, mas algo de podre levou o Conselho de Estado francês, em 1785, a trasladar os restos mortais de todas as pessoas que haviam sido enterradas em Paris para os túneis abandonados das pedreiras parisienses, que ficavam no décimo quarto arrondissement. Foram criadas, assim, as Catacumbas de Paris. Não é um passeio que agrade a todos, mas não nos esqueçamos de que é para junto deles que todos nós vamos.

Dizem os anais que, na altura, cada igreja possuía seu próprio cemitério e que a população de Paris estava adoecendo devido à contaminação provocada por um contato excessivo com matéria orgânica em decomposição.

ARRETEZ! C’EST ICI L’EMPIRE DE LA MORT

Com mais de seis milhões de criaturas desencarnadas, mais de cinco quilômetros de extensão, essa necrópole de Paris é um dos lugares mais visitados da França. Passou a ser ponto turístico em 1867 e um dos destinos mais procurados por jovens que gostam de infringir a lei e beber em lugares estranhos.

Por sinal, conheço outras duas catacumbas: a de Évora (Portugal) e a de Messina (Sicília); esta é a mais curiosa entre as três, pois seus habitantes repousam vestidos como se tivessem acabado de sair de casa.

NÓS OSSOS QUE AQUI ESTAMOS PELOS VOSSOS ESPERAMOS

Fêmur, tíbia, crânio. Faz frio, estamos a vinte metros de profundidade e não há muita luz. Olhos vazios nos encaram, dedos magros apontam, pense em uma cor viva e você não a verá. Tudo é escuro, silencioso, úmido. Minha mulher toca-me o ombro. Trocamos um beijo e rimos de um grafite que fora feito na testa de um crânio: um coração e duas iniciais. Um casal apaixonado talvez do século passado.

No final do passeio, vários pensamentos retornam à mente: estou com fome, qual condução devo pegar, o trabalho que tenho de terminar próxima segunda-feira.

Como pode um peixe vivo viver fora da água fria?