O Pequeno Carioca

Bonjour Brasil, 2012

Pela terceira vez, recebi uma dessas caixas de presente para escolher um restaurante onde comer e confesso que me senti receoso. De graça, tudo é bom, mas calma lá. Nas outras duas vezes, depois de encontrar estabelecimentos que não quiseram aceitar o meu vale, de ver caras que não se mostraram empolgadas com a ideia de eu pagar a conta com um cheque-presente, acabei por me sentir pedindo algum favor. Como funcionam as negociações de publicidade desses produtos, não sei, não sei nem tão pouco o quanto de percentagem que cada um recebe por cada troca; no final, com minhas escolhas, acabei sendo bem servido, mas não foi para falar sobre esse assunto que comecei a escrever esse texto.

Desta vez, tinha como opções diversas atividades e, diante das hipóteses de guiar uma Ferrari, de fazer um curso de mergulho no lago Léman, de algumas aventuras menos emocionantes e de outras mais relaxantes, acabei decidindo por um dos sonhos mais antigos do homem: receber um batismo como piloto.

Você é uma dessas pessoas que adoram consoles de jogo? Você comprou um daqueles joysticks para colocar na frente do seu computador? Para se sentir realmente pilotando um caça, um Boeing? Esqueça! O que vivi lá em cima não tem nada a ver com a sua poltrona. Não tem nada a ver com a montanha-russa espacial da Disney, a qual eu por acaso também vi lá de cima. Eu estou falando aqui de pilotar um avião, cara! Pilotar um avião! Já havia feito um curso de paraquedismo em Évora, em Portugal, mas controlar um Cesna foi uma sensação à parte.

Vai ser sopa, antecipei. Chego lá em cima, tiro umas fotos e o instrutor me deixa sentir as turbulências durante uns cinco minutos.

Lognes. Fui de RER e andei mais ou menos dois quilômetros e meio.

– Bem – o instrutor iniciou o briefing – quando o ponteiro estiver a sessenta nós por hora, você puxa o manche suavemente para trás. Você deve mantê-lo um pouco puxado até alcançarmos mais ou menos os dois mil pés de altitude. Depois, você contorna a Disneylândia e retorna para pousar o avião.

“Esse senhor aqui sabe que a primeira vez que eu faço isso?”

Jean-Claude, à primeira vista, pareceu-me carrancudo, mas, após abandonarmos a pista, compreendi que o motivo de sua aparente distância era que EU ainda vivia em outro mundo. Eu ainda era um não iniciado. Ele mudou de semblante comigo após meus primeiros gritos de euforia e sorriu de meus comentários de uma forma que me fez parecer que nós estávamos no lugar mais seguro do mundo, apesar da inexperiência da pessoa que estava teoricamente pilotando o avião.

O monomotor sacudiu um pouco por causa da turbulência, os fones de ouvido distanciaram-me do ronco do motor. Olhei para baixo e assisti terrenos e casas desfilando, olhei para o horizonte e vi a torre Eiffel ao fundo, senti um frio no estômago a cada massa de ar quente que encontramos e cogitei a possibilidade de restituir-lhe o comando. Já estava de bom tamanho. Resisti, voei em paralelo a uma autoestrada, segui a mesma, tive de ter alguma atenção por causa de um helicóptero que estava levantando voo, realinhei o aparelho, admirei o castelo da Cinderela, pousei.

– Merci, Santo Exupéry! – disse, arrancando-lhe mais um sorriso.

Claro que Jean-Claude controlou o rádio, os pedais e deu o toque de mestre na hora do pouso, o que muito agradeci.

Dura só o tempo de espera de uma montanha russa, mas sai menos caro do que comprar um videogame. Assim, com ou sem esses cheques-presentes, tente, eu recomendo. Ouse dedicar dois anos de sua vida para tirar uma licença como piloto se esse for o seu sonho, ou faça-o apenas uma vez para viver essa experiência. Existe algo lá em cima que nos recorda o quanto a vida é passageira e que muda a perspectiva que temos de nossa existência. E, se essa aventura nos permite ter o ponto de vista que um dia o Santos Dumont teve de Paris, melhor ainda.