20° Arrondissement
Tertúlia, 2011
Le Père Lachaise
“Is everybody in? Is everybody in? Is everybody in? The ceremony is about to begin…”
(Está todo mundo aí? Está todo mundo aí? Está todo mundo aí? A cerimônia está prestes para começar…)
Aos iniciados:
Allan Kardec, codificador do espiritismo, enterrado no cemitério Père Lachaise. James Douglas Morrison, poeta americano, enterrado no cemitério Père Lachaise. As duas tumbas mais visitadas do Père Lachaise. Uma é aquela que recebe mais flores; a outra, a que recebe mais cigarros.
The Marriage of Heaven and Hell
(O Casamento do Céu e o Inferno, William Blake)
“Without Contraries is no progression. Attraction and Repulsion,
Reason and Energy, Love and Hate, are necessary to Human existence.
From these contraries spring what the religious call Good & Evil.
Good is the passive that obeys Reason. Evil is the active springing
from Energy. Good is Heaven. Evil is Hell.”
(Não há progresso sem Contrários. Atração e Repulsão,
Razão e Energia, Amor e Ódio são necessários à existência Humana.
Desses contrários emana o que o religioso denomina Bem & Mal.
Bem é o passivo que obedece à Razão. Mal, o ativo emanando
da Energia. Bem é céu. Mal, Inferno) Tradução de José Antônio Arantes.
James Douglas Morrison, um dos maiores espiritualistas do século 20. Abraçou mais o estado dionisíaco do que o caráter apolíneo, mas não por falta de uma crença; ele agiu, sobretudo, baseado em uma crença. Jim sabia quase como ninguém o quanto “existem mais coisas entre o céu e a terra do que julga conhecer nossa vã filosofia” (There are more things in heaven and Earth… than are dreamt of in your philosophy – Hamlet, de Willian Shakespeare), ele apenas fez uso de seu livre-arbítrio.
Jim cantava: “Cancel my subscription to the resurrection.
Send my credentials to the house of detention…”
(Cancele minha inscrição para a ressurreição
Mande minhas credenciais para a casa de detenção…)
Jim recitava: “The program for this evening is not new
You’ve seen this entertainment through and through
You’ve seen your birth your life and death
You might recall all of the rest
Did you have a good world when you died?
Enough to base a movie on?”
(O programa para esta noite não é novo
Você tem visto este entretenimento vezes e mais vezes
Você tem visto seu nascimento, sua vida e morte
Você pode lembrar de todo o resto
Você tinha um bom mundo quando você morreu?
Suficiente para basear um filme?)
Enquanto Kardec dizia (podemos ler esta frase em seu túmulo):
“Naître, mourir, renaître encore et progresser sans cesse, telle est la Loi.”
(Nascer, morrer, renascer ainda e evoluir sem cessar, tal é a lei.)
Não temos visto esse entretenimento sem cessar?
Não é o Umbral a casa de detenção, a quarta parte do filme?
Não é o período que antecede uma nova encarnação a quinta parte do filme?
Viver em Paris é, como em qualquer outra cidade do mundo, também não se esquecer de que a morte não deixa de estar presente; essa morte que está em torno de nós e embaixo de nossos pés, como nas catacumbas do 14° arrondissement. “Bem aventurado aquele que vive consciente da morte” – diz uma das frases escritas nas paredes dessas catacumbas. E Jim tinha essa consciência, tanto é que, mesmo tendo tido uma curta existência, tentou mudar tudo: tentou deixar o rock para trás e se dedicar a ser apenas poeta. Não deu tempo. Teve tempo apenas de conhecer a terra de Rimbaud e de ser enterrado, à eternidade, ao lado de grandes nomes, nomes como o de Allan Kardec, que não julgaria nem criticaria o poeta morto, mas que lhe daria as boas-vindas em outro mundo e a sugestão para que fizesse melhor na próxima vez.
“Wake up!”
(Desperte!)