6º Arrondissement

Tertúlia, 2011

Geração Perdida

Acorde cedo. Caminhe pelas ruas de Paris e procure uma mesa para escrever no Les Deux Magots, ou no Café de Flore. Almoce na Brasserie Lipp. Antes na Closerie des Lilas. Passe a tarde no jardim do Luxembourg, leve o livro “The Sun Also Rises” para ler, depois visite Stein, Fitzgerald, e Papa Hemingway. Procure a placa que indica o lugar onde a livraria Shakespeare and Company se encontrava, na altura em que Sylvia Beach aceitou publicar a primeira edição do Ulysses de James Joyce. Tome um aperitivo no La Rotonde, outro no Le Select e jante uma belle entrecôte saignante no Polidor. Pronto. Você agora faz parte da geração perdida e poderia até ter participado do último filme do Woody Allen.

Outras sugestões para a sua jornada: caçar com o seu filho, no jardim do Luxembourg, os pombos que vocês irão comer no jantar; jantar na Brasserie Lipp e comer um jarret de porc com chucrute; passar a manhã ou a tarde escrevendo na Closerie des Lilas, perto do Marechal Ney; ou aprender a escrever com Cézanne no museu do Luxembourg. Se eu não estivesse satisfeito com o meu arrondissement e se os preços do sexto não fossem tão mais caros do que aquele que eu pago, seria lá onde eu gostaria de estar morando, perto do Odeon e da Igreja Saint-Sulpice, perto da Rose Line e entre os cafés onde eu poderia estar tentando escrever um livro menos comercial do que o código de Dan Brown.

Se bem que Paris mudou muito desde o período pós-guerra (primeira). Lá se foi o tempo em que era possível viver aqui com dois dólares por dia e passar a tarde inteira na Closerie quase sem consumir e escrevendo. Hoje, se você quiser fazer uma refeição no La Rotonde, prepare a carteira. Vários restaurantes de Paris abusam nos preços apenas porque um desses escritores, que viveram aqui com dificuldades financeiras, fora um de seus clientes ao menos uma vez.

O restaurante Polidor somente aceita pagamento em cash, e o banheiro do restaurante é turco.

Tenho uma prima que não levou a sério essa informação. Estávamos caminhando pelo Boulevard St-Germain, ela me disse que precisava ir ao banheiro, e eu lhe dei duas opções: procuraríamos uma das cabines públicas e gratuitas de Paris, ou esperaríamos até que chegássemos ao restaurante, se ela não se importasse de utilizar um banheiro turco. Ela riu de mim e escolheu a segunda opção, e gostaria de ter feito uma foto da cara dela quando ela voltou para a mesa.

“If you are lucky enough to have lived in Paris as a young man, then wherever you go for the rest of your life it stays with you, for Paris is a moveable feast.” (Ernest Hemingway)

“Se você é sortudo o suficiente para ter vivido em Paris quando jovem, então aonde quer que vá para o resto de sua vida Paris permanece com você, porque Paris é uma festa móvel.”

Não tenho a pretensão de criar um movimento literário e cheguei a Paris com 37 anos, mas todos os arrondissements de Paris também partirão comigo, principalmente o sexto.

Ilustração: Helton Souto
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