Eu entro aqui
Tertúlia, 2011
Pensei em escrever meu primeiro texto para Tertúlia sentado a uma das mesas do restaurante Deux Magots. Teria sido uma ótima maneira de agradecer pelo convite que me fora feito: “você será nosso correspondente de Paris”. Entretanto, como a globalização também trouxe seu lado negativo, preferi começar discordando de tudo aquilo que ela tem feito aos meus templos franceses.
Lá se fora a época em que um escritor podia viver aqui com três dólares diários; quer dizer, poder ainda pode, mas não acredito que os pombos do Jardin de Luxembourg transmitiam as doenças que correríamos o risco de pegar hoje. Graças aos preços de uma cidade para turistas, três dólares não nos dão nem mais o direito de ficar à espera de uma mesa na Brasserie Lipp, e um bœuf que leva o nome de certo escritor no Closerie des Lilas custa por enquanto quarenta euros. Com isto, um dos meus escritórios de eleição passou a ser esse restaurante da cadeia Malongo, um fast-food dos cafés, onde costumo ficar com uma taça de cappuccino durante horas.
No início, confesso que desejei frequentar o Café de Flore, mas, com o tempo, comecei a tomar consciência de que é preferível gastar meus euros com um bom jantar do que acreditar que esses lugares serão capazes de melhorar meu estilo.
Malongo St Germain: 50, Rue Saint-André des Arts.
Um dia frutífero para mim tem funcionado assim: está fazendo sol, as pessoas procuram as famosas esplanadas para seus aperitivos, para serem vistas, e eu entro aqui. Descubro um ambiente tranquilo, compro minha cafeína, escolho uma das mesas do fundo, coloco meus fones de ouvido e permaneço escrevendo por mais de três horas, interrompendo-me apenas para comprar mais um café.
De qualquer forma, escreverei sobre os lugares pelos quais grandes poetas passaram, onde inesquecíveis músicos moraram ou editores trabalharam, pois uma coisa não mudou em Paris: continua sendo uma das melhores cidades para os escritores, cujos imóveis continuam transpirando o sentimento que fez Rimbaud passar uma estação no inferno e Jean Valjean dar sopa aos pobres, com a companhia ou não de toda essa geração perdida de turistas.