Mais Alto que o Fundo do Mar
Atelier Produção Editorial
Portugal, 2008
E se você detestasse o seu emprego? E se a sua relação amorosa não fizesse mais sentido? E se “quem você fosse” estivesse ligado a “aquilo que você possuísse”? Tudo isso não seria, enfim, uma bela oportunidade para que você acabasse com tudo, já que você não estaria realmente vivendo?
Esta é a história de Marco, cuja vida perdeu o sentido, cujos valores se deterioraram, mas que, quando não teve mais para onde ir, ainda foi além. E lá, lá embaixo, perto do lugar onde encontramos a liberdade mais valiosa que existe, ele caiu de cara com a sua felicidade.

CAPÍTULO 1

O passo

Dona feirante olhou para cima e gritou:

– Minha Nossa Senhora! Ele vai pular!

O trânsito parou, as pessoas pararam, um sentimento de antecipação nasceu. Quando chegaram, os policiais e os repórteres tiveram de se transformar em novos bandeirantes, mas aquela mata estava crescendo tão densa e poderosa que logo comeu a trilha que eles haviam feito.

– Por favor, afastem-se! – disse o guarda.

– Moço, ele vai pular? – disse o menino.

– Senhora, ele é seu filho?

– É.

– Então, é melhor tirá-lo daqui.

O rapaz sentou-se no parapeito da janela, balançou as pernas e pensou: “vai chover”; nono andar, numa contagem rápida.

Tímidas gotas caíram do céu.

– Coitado… Tenho a certeza de que ele perdeu o emprego – disse o bancário.

– Pra mim, não! Pra mim, foi sua esposa que o abandonou – disse o solitário.

– Vocês estão enganados! – disse um senhor. – É lógico que ele deve estar se sentindo só e deprimido.

E, antes que dessem atenção ao que o velho dissera, chegaram os socorros. Um cambista lamentou não ter ingressos para vender.

Com passes combinados, os bombeiros isolaram o perímetro suposto, inflaram o colchão de ar e colocaram a escada para subir. Dois oficiais entraram no prédio para impedir o sinistro.

– Eu já vi coisas piores – disse o médico.

– Tem mais é que morrer! – disse o amargo.

– Vai ver que é por causa de nossa eliminação – disse o inconformado.

– Pois eu o compreendo muito bem – disse uma senhora. – A gente acumula demasiadas tristezas durante a vida.

– Não é nada disso! – disse o ascensorista. – O que ele está querendo é escapar desta mesmice de vida.

Um pombo pousou ao seu lado, e ele parou de balançar as pernas. Lembrou-se de sua família e de seus amigos. Sentiria saudade de algumas pessoas e sabia que algumas pessoas iriam sentir sua falta, mas logo viria o tempo, e todos acabariam por quase esquecê-lo. Nada mais justo! Afinal, ele também estaria seguindo seu próprio destino.

Alguém começou a esmurrar a porta de seu apartamento, e ele, percebendo a confusão armada, colocou-se de pé.

– Oh, não! Não! – disse a dona feirante, que se sentia como a mais responsável entre todas as testemunhas, por aquela tragédia iminente.

O rapaz oscilou ao sabor do vento,…

“Vá! Você é capaz! Você é capaz!”

…começou a cantarolar uma canção,…

– Sim, senhor. Eu vou sentir falta disto aqui.

…um relâmpago iluminou todas as faces,…

…e ele deu um passo em direção ao vazio.

A chuva apertou.